Karl acordou
a meio da noite. Eram 4 da manha. Mais uma noite em que teria tido o mesmo
pesadelo. Deveria ser dia 31 de Dezembro. Acordara entre tremores e suores,
embora a sua pele continuasse à temperatura de um cadáver. Karl temia aquele
dia, detestava ter memória fotográfica, odiava quem lhe tinha feito aquilo.
Tentou dormir, mas assim que fechava
os olhos via aqueles olhos azuis transparentes e um sentimento de culpa
invadia-o. Deveria ter sido ele a morrer, não a Kate… por um acto de ciúmes, ela
saiu disparada pela porta. Saiu disparada da vida dele… agora era tarde demais,
milhares de anos tarde demais. A sua alma imortal, para sempre, iria sentir a
sua falta…
Karl não aguentava mais,
levantou-se, entrou na sala e deitou-se a ver Cardiff Bay através de uma parede
de vidro que tinha no seu apartamento. As luzes nocturnas da baía ainda fascinavam
este homem com mais de milhares de anos de idade. Como o mundo cresceu e
evoluiu. Desde a vinda da raça un-dead que ele foi escolhido como guardião,
agente, olhador. E, ao longo dos tempos, viu esta cidade nascer, evoluir,
crescer…
Não conseguindo dormir, saiu porta
fora e foi dar um passeio pela cidade. Dentro de uma hora a cidade estaria a acordar
para mais um dia de trabalho para alguns, dia de descanso para outros e dia de
estar com a família para parte. Descia ele pela artéria principal da cidade e a
todas as esquinas, esperava ver a sua mulher. Lembrava-se das promessas de
construir uma aldeia com ele. Tantas vezes desejou apenas ter uma família, para
quê imortalidade se não se tem com quem viver? Apenas queria ter vivido com ela
anos suficientes para ter um filho e depois morreria descansado. Mas não,
tinham de lhe ter raptado a mulher e pôr-lhe uma maldição em cima. Se não fosse
Apolo, onde estaria ele agora? Ele deu-lhe imortalidade, poderes e
transformou-o no guardião. E juntos, ele e a filha de Apolo, foram mantendo
equilibrada a balança dos un-dead e dos humanos.
Entrou num pub para almoçar algum tempo mais tarde. Enquanto almoçava, uma
rapariga aproximou-se dele. Perguntou-lhe se estava bem. Neste mundo moderno
ainda existia quem se preocupasse com completos estranhos, sem haver
interesses. Incrível! Dizendo-lhe que sim, terminou o seu almoço e seguiu para
casa onde foi tentar descansar um pouco mais.
- Tens a certeza que não estamos a
incomoda-lo?- Eddie perguntou à sua amada Haley.
- Não te preocupes, o Karl precisa
disto, eu conheço-o bem.- Respondeu-lhe Haley, uma rapariga que aparentava ter
20 anos mas que na realidade tinha bem perto de uns 20 milhares de anos.
Karl acordou repentinamente com um
bater a porta. Sabia perfeitamente quem era, aquele toque era inconfundível. Já
eram umas dez da noite, vestiu uma t-shirt e foi abrir a porta. Era a Haley e o
Eddie, quem considerava serem os filhos dele, o que não era verdade. Haley era
a filha de Apolo e Eddie um metamorfo que Karl salvou. Eles tinham ido
visita-lo, a única coisa que lhe restava desde que Kate partira. Lembrara-se que
tinha combinado com eles ir ver o fogo-de-artifício à baía. Vestiu uma camisola
de lã e saíram.
Na baía, estava tudo pronto para a
contagem decrescente. Havia bandas a tocar música pop e pessoas animadamente a conversarem, claramente ansiosas para
entrar no novo ano.
- Não sei se deva acreditar na
resposta que me deste de manha. Estás bem?- Era a mesma rapariga do pub. O coração de Karl palpitou, uma
sensação quente invadiu-lhe o corpo.
- Sim, estou melhor. –
Respondeu-lhe. Ela sorriu-lhe e começou a afastar-se.
- Espera- Ela olhou para trás e Karl
continuou – Queres passar connosco a entrada no novo ano?
Ela sorriu-lhe e acenou
afirmativamente. Meia hora mais tarde fizeram a contagem decrescente e o espectáculo
começou.
- Feliz ano novo a todos!- disse Karl.
Este conto foi escrito pela colaboradora Nânci Santos. Espero que tenham gostado!